Depois de ter vários profissionais levados pela pandemia, o mercado publicitário mineiro volta a sofrer duas perdas, sem vinculação com a doença: o redator José Geraldo Rocha, o Zé Geraldo, e o professor de piano e compositor de jingles Paulo Nehmy.
Bastante conhecido na publicidade das Gerais - trabalhou na LF, RC, DNA, Populus e outras grandes agências do mercado - , o redator e diretor de Criação José Geraldo faleceu ontem, 30, deixando todos os amigos tristes e consternados. Foi acometido de cirrose, embora fosse abstêmio.
Alguns depoimentos de representantes do mercado sobre a morte de José Geraldo:
Álvaro Rezende, diretor-presidente da RC Comunicação, disse que “quem sempre lidou tão bem com as palavras, agora nos deixa sem elas. Zé Geraldo se foi. Redator brilhante, pessoa ímpar, tivemos a honra de tê-lo em nosso time por muitos anos. Aqui ele criou campanhas memoráveis e deixou amigos para a vida inteira. Certo dia, de passagem, resolveu entrar, rever amigos e confidenciar - Passei por tantas agências, mas tenho lembranças boas, maravilhosas, da RC Nós também, Zé. Fica aqui nosso respeito, gratidão e sentimentos a todos os amigos e familiares”.
Simão Lacerda, dono da ex-LF (hoje LF/Mercado), onde José Geraldo começou sua carreira na propaganda, foi incisivo: “Por onde andou, deixou a leveza da sua presença e a competência da sua criação. Vai com Deus, Zé Geraldo”.
Dan Zecchinelli, diretor de Criação da Filadélfia, revelou que conheceu José Geraldo na RC, em 1999, “e foi admiração instantânea. Quem era aquele baixinho divertido, bem-humorado, inteligente, que fazia aqueles títulos, tinha aquelas ideias? E como é que o cara cuspia tanta coisa bacana da impressora? Trabalhamos pouco mais de um ano juntos. Eu ainda não sabia, mas ali começamos a virar amigos para a vida toda. Exigente com o critério e a escrita, ele me ensinou muita, muita coisa. Como profissional, como ser humano, como conhecedor musical. O Zé foi o único músico que não tocava instrumento que eu vi”.
Igor Oliveira, redator e diretor de criação da RC, conta: “Zé era Braga. Tanto eu pra ele quanto ele pra mim. Um apelido mútuo que surgiu em um papo polêmico - o que não era polêmico com ele? - sobre F1 e um grande amigo do Senna, Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha. Nesse papo, assim como em todos, a ironia, o sarcasmo e as risadas davam o tom. Pra ele, Emerson Fittipaldi era “motorista de taxi” e Rubinho era um “cagão gente boa”.De F1 o papo de repente guinava pra música. George Harrison era a ponte.
-Ô Braga, falaí: qual a melhor música dos Beatles?
-Tem como eleger nenhuma não, Braga.
-Eu sei. Sonhei com isso.
Dava uma pausa, levantava o dedo e soltava:
- A day in the life!
Num dia era essa. No outro, Yesterday. No outro, Strawberry Fields Forever. “Música difícil, essa.” Isso sem saber tocar…
Augusto Coelho, redator e diretor de Criação da Leo Burnett, revelou que José Geraldo era “um redator talentoso. Frasista incrível. Filósofo do tudo. O Zé era metódico. Das boas polêmicas. Muitas vezes do contra. Mas também era conclusão. A última palavra”.
Nos conhecemos em outubro de 1997.
“Daí em diante, trabalhamos juntos por três vezes. Que honra.
Viramos amigos. 24 anos, agora interrompidos. Na última década, o Zé foi a minha conexão com BH. Sempre que voltava à cidade, ligava para ele.
- Um café na Savassi?”
Eu ia direto do aeroporto de Confins, sem escalas.
Encontrar o Zé era me reencontrar com os amigos da terra.
Todos eles. Gente amada, sempre presente nas nossas histórias.
Nos últimos 5 anos, almoçávamos rigorosamente na véspera de Natal (no velho e muito bom PF do Márcio, rua Leopoldina).
Partiu cedo, cara. Foi-se rápido. Sem despedida. No celular, mensagens de 15 dias atrás marcando o próximo encontro. Que tristeza… Obrigado, José Geraldo Rocha .
Pela amizade, pela parceria, pelo talento. Pelo generosidade, pelo suporte, pelos kibinhos.
“Vá em paz, meu velho. E que a Lucinha, o Rafa e o Pedro encontrem forças para superar a saudade. Perdemos todos”.
José Luiz da Silva, presidente da Associação Mineira de Propaganda, ressaltou: “Semana muito difícil para toda a nossa população em função dessa pandemia do Covid-19. Particularmente, estou sofrendo um pouco mais. Pessoas queridas, muitas caras pra mim e o mercado publicitário nos deixaram.
Primeiro foi o Paulinho Nehmy. Depois o Zé Geraldo. Um redator e tanto. Trabalhamos juntos na Populus. Sempre foi, literalmente, uma mente brilhante. Gente muito boa. Ele estava lutando contra uma cirrose hepática não alcoólica. Partiu muito cedo. Tinha muito job pela frente. Vai fazer muita falta”.
André Lacerda, presidente ndo Sinapro-MG, enalteceu a competência e empatia de Zé Geraldo. "Um redatoir veterano, dos bons. Havia perdido nos últimos dias para a Covid a mãe e um irmão. Muito talento, uma grande perda".
Manuel Rolim, redator e diretor de Criação Global da PGMBM: “Eu gostava muito dele, apesar de nem termos convivido tanto. Quando eu me formei e encontrei o mercado devastado pelo mensalão, o Zé foi, sem dúvida, a pessoa que mais me apoiou e me ajudou no começo da carreira. Meu primeiro emprego, com o Jorge Netto, só aconteceu por causa do Zé.
“Dois anos atrás, fui indicado para dar uma masterclass de redação na Puc. Como eram três aulas, decidi chamar mais duas pessoas: a Liminha e o Dan. Em paralelo, sem saber, uma outra pessoa da PUC havia convidado o Zé também. Ficou uma situação um pouco constrangedora. Sem hesitar, eu passei minha aula pro Zé. Como forma de agradecer, ele fez questão de me pagar um almoço. Que nunca rolou. As agendas não batiam, eu o enrolei por alguns meses, depois veio a pandemia. Tá anotado, Zé.. Não se vai embora asssim, devendo almoço para um amigo”.
Carol Penido, diretora de arte da Filadélfia, diz que conheceu o Zé Geraldo “quando cheguei na RC, com 20 e poucos anos. À primeira vista, um cara mais velho, careca, baixinho, parecia meio rabugento. Na primeira risada, descobri um amigo com muitas coisas em comum. Entre elas, a afinidade pelo deboche, pela ironia e pelas boas risadas. E acabei virando dupla dele por um bom tempo. Tenho uma coleção de memórias sempre muito divertidas do Zé.
“O Zé crítico gastronômico que dava apelido pros pratos: picolé de chuchu era a entrada do Piantella, nas nossas aventuras de encontrar algum político figurão ou mensaleiro nas idas da RC Brasília. Ou o pastel engasga lobo, nos lanchinhos da tarde da RC. Ou até na sua criação única: missoshiro de ovo, que o Sushi Naka executou a pedido do Zé, cliente mais que fiel.
“Nos brains, que sempre rendiam boas ideias e boas risadas, o Zé sempre insistia nas ideias mais polêmicas, nem sempre as melhores. Acho que só para ser polêmico. Aliás, a polêmica era um dos seus passatempos preferidos. Todos os dias, às 17h, começava o Polêmica Show, também na RC: discussões infindáveis entre ele, Ildeu Filho e Wagner Lana. No fim, sempre dois se voltavam contra um e terminava a discussão do dia.
“Bem, poderia ficar horas e horas lembrando de casos e mais casos engraçados com o Zé.
Dele vou guardar só lembranças felizes. A única triste vai ser a do dia de hoje. Vai em paz Zé, porque por aqui, você só deixou grandes amigos e lembranças boas. Talvez, um dia a gente se encontre aí, nesse universão de Deus. Beijo grande e se cuida”.
Cris Cortez, diretora de Arte e de Criação da Lápis Raro, diz que nunca trabalhei com José Geraldo, mas “nossos encontros aconteceram em alguns eventos do mercado e na porta do Grupo Galpão, onde meu filho e o dele faziam teatro aos sábados. Ali, marcamos alguns almoços no macrobiótico, onde não me lembro de conversar com ele sobre propaganda. O Zé era uma pessoa surpreendente, incrivelmente gentil, inteligente, com um senso de humor maravilhoso. Vai fazer falta nesse mundo”.
Flávia Rennó, redatora e diretora de Criação da Pro, lembra com saudade que Zé Geraldo “não gostava muito de tirar foto. Mas adorava uma boa conversa. Não era muito adepto das redes sociais. Mas adorava uma interação cara a cara. Nossos papos, nossos almoços no Naka ou no Ponteio vão fazer faltas. Vai, meu amiguinho. Ainda não aceitei sua partida. Mas o céu vai entrar em festa com sua chegada”.
O jinglista Paulo Nehmy
Pianista e professor dessa disciplina em universidades como UFMG, FUMEC e ex-FAFI-BH, o compositor de jingles Paulinho Nehmy foi outra perda irreparável no mercado publicitário mineiro.
Paulinho HP, do Studio HP, onde Nehmy gravou inúmeros jingles, não esconde sua tristeza: “Perdemos o amigo, perde a música e perde a propaganda, além de centenas de alunos de universidades e de piano”.
“Como sabemos, propaganda não tem estilo. Do clássico ao popular, do erudito ao brega, a propaganda se apropria, no bom sentido, de todos os estilos. E quando a gente se lembra do Nehmy – o nosso Paulinho, que nos deixou desconcertados com a sua partida –, não dá para esquecer da elegância de seus dedos longos deslizando pelas teclas do piano e produzindo estilo como poucos.
“Quem com ele conviveu nas salas de aulas da FAFI, da UFMG ou da Fumec, certamente não esquece da precisão, da lucidez e do sorriso sempre presente do professor, queridos por todos.
“Nos estúdios HP, Bemol e outros, além das agências de publicidade por onde circulava, levando sua presença doce e timidamente alegre – a não ser quando, por alguns momentos, deixava a timidez de lado e nos brindava com deliciosas piadas, de bom gosto, claro – o estilo de Paulinho era sempre festejado.
“Salve, Paulo Nehmy! Obrigado pelas aulas de generosidade, gentileza e estilo”.
José Luiz da Silva também foi Fui aluno de Paulo Nehmy na FAFI-BH. “Aprendi muito com ele. Depois, na vida profissional, foi um grande parceiro na criação das diversas campanhas que fizemos. Era um grande expoente da música, fez jingles maravilhosos”.
Robson Casasanto, diretor da agência Casasanto, foi outro ex-aluno de Paulinho Nehmy. Não escondeu sua desolação, e sobre o jinglista resumiu a admiração em duas palavras: “Era sensacional!”.
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