Aprendemos no primário que Belo Horizonte foi a primeira capital brasileira planejada na prancheta, para substituir Ouro Preto, em 1897. E que Aarão Reis, (1853/1936), engenheiro e arquiteto chefe da CCNC - Comissão Construtora da Nova Capital de Minas, inspirou-se em avançados estudos e em soluções utilizadas na capital dos EUA, Washington - e, depois, em Paris. Grandes avenidas em diagonal e circulantes, quarteirões retangulares, jardins, lagos, museus, zonas urbanas e suburbanas, previsão de amplas áreas de expansão espontânea e “pavilhões verdes”. Pena que nem tuo se transformou em realidade.
Quem vive em BH sabe que existem problemas gravíssimos, que ninguém conseguiu resolver. Entra prefeito, sai prefeito, e os dramas cruciais de Belo
Horizonte permanecem ativos. Mas a cidade é atraente, e até o Papa João Paulo II ficou encantado ao conhecê-la e exclamou: “Que Belo Horizonte!”
A história registra que Salvador tem o título de primeira cidade brasileira planejada fundada em 1549, de concepção racional e geométrica, para ser sede do Governo Geral do Brasil. E que a bela capital baiana foi planejada “já pensando em sua importante função administrativa e militar, para ser o centro do império português no Novo Mundo. Interessante é que pouco se fala sobre o pioneirismo da boa terra, como cidade planejada.
Na emblemática terra da felicidade, Salvador é um orgulhoso patrimônio, oxente, e nem todos imaginam o que é que a baiana tem…de problemas. Nem Caymmi, nem Carmen Miranda, talvez os novos baianos ou num culto de orixás.
Analistas afirmam que as cidades planejadas se diferenciam das chamadas “cidades naturais” por partirem de algum projeto pré-definido. Há também o entendimento de que há cidades planejadas modernas e cidades planejadas nos tempos do Império. Dados oficiais consideram como capitais e cidade planejadas, no país: Salvador (1549); Teresina (1852) Aracaju (1855); Belo Horizonte (1897); Goiânia (1942); Boa Vista (1944); Maringá (1947); Brasília (1960), e Palmas (1990). Todos esses centros urbanos, têm obrigação de mostrar alguma coisa diferente além de beleza, algo diferenciado e notável, que não as deixem cair na paisagem e sejam definitivamente canceladas por ávidos turistas.
A fascinante Brasília (DF), é a nossa mais inspirada e badalada cidade pré-concebida. Talvez, seja também a mais revolucionária e comentada do planeta, reconhecida como Patrimônio Mundial da Humanidade, pela UNESCO e dona da maior área tombada do mundo - 112.25km². Desde a época da Colônia já havia planos de construir a ”Capital do Futuro”, bem longe do Oceano Atlântico, para nos proteger de possíveis aventuras promovidas por forças de fora.
Em 1761, já se falava, em Portugal, na construção de uma “Nova Lisboa”, no Planalto Central. José Bonifácio de Andrada e Silva (1763/1838), o Patriarca da Independência foi quem teve a ideia de dar o expressivo nome de “Brasília” à futura capital. O ditador Getúlio Vargas (1897/1954), lançou a política “Marcha para o Oeste”, plano que tinha como meta a interiorização do país e a integração econômica das regiões norte, sul, leste e oeste - tema sempre lembrado em seus discursos.
Um dia, a Brasília do estadista José Bonifácio virou uma notável realidade, orgulho dos brasileiros, símbolo de um projeto de modernização e desenvolvimento do presidente JK. E que fora rechaçada por alguns poucos ilustres políticos, cabeças-de-bagre.
Coube ao irrequieto e audacioso capitão médico da PMMG, ex-deputado federal, ex-prefeito de Belo Horizonte, ex-governador do estado de Minas, o 21º presidente da República do Brasil (1956/1960), Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902/1976), fazer cumprir a Constituição e incluir em seu ousado plano
de metas de governo, “50 anos em 5”, o projeto de planejamento e construção de uma nova e moderna capital, inaugurada em 21 de abril de 1960, um fato de repercussão mundial.
JK enfrentou e venceu todas as críticas, objeções e obstáculos e cumpriu a sua promessa de campanha. A denominada “Ilha da Fantasia”, segundo alguns descontentes, com seus quase 3 milhões de habitantes, é a nossa terceira capital mais populosa, tem os melhores salários, o maior rendimento familiar e um dos mais avançados IDH do país, entre outros méritos, diz o censo de 2022.
A Brasília de brilhante concepção e construção, sede do governo federal, centro oficial de decisões políticas, econômicas e sociais, não tem como esconder muitos problemas inimagináveis por competentes arquitetos, engenheiros, urbanistas e administradores, ao longo do tempo, - o inchaço populacional, o desemprego, as dificuldades de moradia, o trânsito super carregado; a insegurança e a desigualdade social, escancaradas em suas 25 regiões suburbanas - as populosas cidades satélites, que circundam o milionário Plano Piloto. Lá também, os candangos que ajudaram a construir o monumento, nunca tiveram vez. Nos faz lembrar os versos de um sucesso de carnaval do passado, o “Pedreiro Waldemar” - que constrói /constrói/constrói, e depois não pode entrar”.
E Belo Horizonte, como fica nessa? À primeira vista, é sempre uma paixão para admiradores, poetas e trovadores. Gonzaguinha morou na Pampulha, e responderia cantando: “É bonita, é bonita e é bonita!”... O Papa João Paulo II encantou-se: “Que Belo Horizonte”! Já seus impacientes moradores dizem que BH não merece sofrer tantos maus tratos de seus administradores, através dos tempos. Desde Aarão Reis, ao demarcar a avenida do Contorno, como limite da futura área urbana e fizesse com que a cidade fosse construída por dentro, para abrigar apenas 200 mil nativos. Por fora, considerada área suburbana. Foi um erro lascado. BH ficou inviável com a rapidíssima expansão econômica. A própria avenida virou um pesadelo - o projeto do cinturão foi alterado, as obras paralisadas, por anos a fio, aguardando solução das desapropriações de áreas particulares, nas proximidades dos hoje bairros Santo Agostinho, Lourdes, Cidade Jardim. Quem finalmente inaugurou a longa avenida, com 11.86km, foi o então nomeado prefeito JK, em 1940, em ato público prestigiado por duas celebridades, o governador Benedito Valadares (1892/1973), e o ditador Getúlio Vargas. Era o então jovem JK demonstrando fino faro político.
Problemas de mobilidade urbana, trânsito público caótico, um anel rodoviário vencido e criminoso - o metrô que nasceu com deficiências e nunca recebeu manutenção adequada, nem ampliações, em mais de 40 anos - se somam às agruras na saúde, educação, criminalidade, insegurança, desemprego, lixo nas ruas, pichações, moradia, e a dramática presença das pessoas em situação de rua, perto de 9 mil carentes.
Em ano eleitoral, os problemas afloram e pipocam em papos de esquina, nas manchetes da imprensa, nos programas e debates, nas redes sociais e nas promessas de solução dos candidatos a prefeito. E fica nisso, infelizmente. Contam-se nos dedos os alcaides que tiveram coragem de circular pelas ruas, sem serem molestados: JK (1940/1945), Celso Mello de Azevedo (1995/1998), Jorge Carone (1963/1965 ), Maurício Campos (1979/1982), seriam os mais bem aceitos. Coincidentemente, eram os que melhor conheciam a cidade. Sabiam onde era a Pampulha, a praça Vaz de Mello, o Mercado Central, o Café Nice e o Palhares; outros visitaram o Mineirão, andaram por Santa Tereza, conheciam a Savassi e a rua do Amendoim.
Na cidade dos bares e botecos, moradores com 50 anos ou mais, reconhecem que a nossa BH sempre sofreu com a incompetência e insensibilidade dos mandatários municipais. E que o cargo sempre foi muito cobiçado. Um deles disse ao ex-ministro Delfim Neto que tinha 7 milhões em caixa e foi advertido: “Dinheiro do povo deve ser aplicado em obras, e não ficar parado”. Um que tentou se eleger em três disputas, prometeu colocar um pequeno navio turístico nas águas da lagoa da Pampulha. Mais recentemente, um prefeito mandou furar um buraco em plena Afonso Pena, como teste para se construir um amplo estacionamento subterrâneo. A ideia foi mesmo para o buraco.
Certo mandatário, meio chumbado, escorregou nas escadarias de entrada da Prefeitura e pediu ao secretário que recomendasse aos responsáveis que evitassem deixar resquícios de água e sabão naquele local. Ficou famosa a frase tema de um eterno candidato invicto, com três tentativas e três derrotas: “Thibau eleito, povo satisfeito”!
O folclore político é vasto e rico em casos de rua. Um candidato, figura popular na cidade, vestia um macacão de operário e transitava pela avenida Afonso Pena, distribuindo folhetos, com o slogan: “Adão de macacão é contra o tubarão”! Já o poeta popular, conhecido nas ruas e nas redações dos jornais, onde ia vender bilhetes de loteria, bater papo e fazer pequenos versos e rimas, distribuía santinhos em plena zona boêmia e uma “profissional da vida alegre” pediu que ele fizesse um verso e foi atendida, na hora: “Aqui, você fica de frente, de lado ou de banda/e vota em Mário de Miranda”!
O governador Benedito Valadares nomeou seu competente assessor de gabinete Juscelino Kubitschek de Oliveira para o cargo de prefeito de BH. O nosso “pé de valsa” aproveitou a chance brilhantemente. Realizou obras fundamentais, culminando com o mundialmente famoso e admirado conjunto arquitetônico da Pampulha, obra de Oscar Niemeyer, construído e inaugurado durante a segunda guerra mundial.
JK provou que era diferenciado, sendo eleito governador do Estado e presidente da República. Celso Mello de Azevedo, “primeiro filho de BH a governar sua terra natal” 1957/1959), marcou sua administração cumprindo a promessa de campanha cantada no jingle: ”Minha casa não tem água/minha rua não tem condução… Celso Azevedo é a solução”. Ainda hoje, 40% do abastecimento de água, na região metropolitana de BH, são provenientes do rio das Velhas. O intrépido deputado estadual Jorge Carone Filho (de Visconde do Rio Branco-MG), apresentou propostas em série, em plenário, como a da necessidade de se construir um estádio de futebol à altura do Maracanã. Inventou, lutou e aprovou a ideia do estádio “Governador Magalhẽs Pinto” inaugurado em 1965, apelidado “Mineirão”, depois totalmente refeito, modernizado e hoje explorado por empresa particular.
O antigo e acanhado Mercado Municipal foi vendido aos próprios barraqueiros e acabou transformando-se no hoje atraente Mercado Central, graças a uma lei do prefeito Carone, o “que realiza mais”. Carone teve os direitos políticos cassados pela Revolução de 64, e perdeu o cargo de prefeito eleito, por influência direta do próprio governador Magalhães Pinto, líder do movimento em Minas. Indicado pelo governador mineiro Francelino Pereira da Silva (1921/2017), o rio-pombense prefeito (1979/1982) Maurício Campos, engenheiro, professor e ex-deputado federal, tinha “faro de povo”, promoveu comemorações, circulava pelas ruas, sem paletó e gravata, sempre sorridente, atendia aos pedidos de pequenas obras de melhoramentos, em vilas e bairros; prestigiava festas e eventos, como o carnaval e implantou o “Arraial de Belo Horizonte” hoje um prestigiado acontecimento junino de sucesso.
A olho nu, dá para enxergar que, prefeito eleito ou indicado, pode ser bom, fazer carreira, ou ser cancelado; que o primeiro e único filho de BH a governar sua terra natal continua sendo Celso Mello Azevedo; que o Thibau ganhou um concorrente forte: o ex-goleiro do Galo e da seleção, ex-deputado estadual João Leite, que também tentou se eleger três vezes e perdeu as três. Dizem que ele está no banco de reservas e ainda pode entrar em campo!
(*) Hamilton Gangana é publicitário
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