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Foto do escritorHamilton Gangana

ARTIGO - Aos trancos e barrancos, a “fazendinha iluminada” se vira nos 127 

 

Edifício sede dos Correios e Telégrafos, destruído indevidamente nos anos 1940, para permitir a construção do edifício Sulacap Sulamérica

 


Quando o bandeirante paulista João Leite da Silva Ortiz (1674-1730), abandonou o ofício de explorador de ouro, para criar a Fazenda do Cercado,  não poderia imaginar que estava nos dando um presente de ouro. Aquilo era simplesmente o embrião de um povoado que gerou a Fazenda do Curral, transformou-se em Freguesia do Curral del-Rei, foi Curral de Belo Horizonte, Nossa Senhora da Boa Viagem do Curral del-Rei e Cidade de Minas.

 

Em 1901, o presidente do estado, Silviano Brandão assinou decreto estancando de vez o troca-troca de nomes e cravou o sonoro e definitivo Belo Horizonte. Antenado, Machado de Assis (1800-1919), disparou: “Parece mais uma exclamação”!

 

Ouro Preto autodeclarou-se que não tinha mais condições de ser a capital de Minas e estava à procura de um lugar com melhores condições de higiene. Na disputa com Juiz de Fora, Barbacena, Várzea do Marçal (em São João del-Rei) e Paraúna, BH foi a vencedora. Pesou na balança a proximidade, as terras férteis, a grande quantidade de nascentes de águas puras, formando córregos, e o clima agradável das montanhas sinuosas da Serra do Curral. Só que BH ainda seria construída para substituir a colonial Ouro Preto. A construção durou quatro anos.

 

O engenheiro paraense Aarão Reis assumiu o comando da Comissão de Construção da Nova Capital (CCNC), a obra foi tocada, aos trancos e barrancos e entregue em 12 de dezembro de 1897.

 

Foram tantos os problemas - falta de verbas, adiamentos, interferências, cortes no projeto original e muitos pitacos - que Aarão Reis jogou a toalha em 1895, ensacou a viola e se mandou. A nova capital foi inaugurada inacabada, faltando água canalizada, rede de esgotos, vias públicas, áreas de lazer e prédios funcionais do governo.

 

Mas nada impediria que as avenidas, ruas e praças fossem invadidas por multidões, cantando, dançando, bebendo e celebrando, em meio a discursos, desfiles de bandas de música, foguetórios e missas, comemorando o memorável acontecimento. Encerrada a festança, a cidade voltou a seu cotidiano - um vasto canteiro de obras, para martírio dos moradores e comerciantes.

 

Contam que não foram fáceis os primeiros anos de Belo Horizonte. Houve um esvaziamento do perímetro central urbano, com a expulsão da população operária, dos pobres e pretos ex-escravos para a periferia, as áreas suburbanas e rurais, reservadas para a agricultura, que não receberam urbanização e melhoramentos. Ficou claro que isso seria um privilégio da parte mais nobre, a área interna da avenida 17 de  dezembro (Contorno), que delimitou os setores.

 

Ao contrário do que imaginavam os planejadores, a disposição geográfica beneficiou os mais ricos, mas o crescimento da população aconteceu de fora para dentro. Foi um erro de cálculo. Houve um certo marasmo no início e somente a partir dos anos 1920, a promissora capital começou a mostrar certa desenvoltura econômica, acompanhando os passos do país.

 

Mais adiante, era comum ouvir as pessoas dizerem que “Belo Horizonte é uma fazendinha iluminada”, onde todos se conheciam caminhando na avenida Afonso Pena, “o melhor lugar pra gente ir” - como diz o samba ”Bela Belô”, de Gervásio Horta. Prefeitura, Correios, Cia. Força e Luz, Telefônica, 7 bancos, Detran; órgãos estaduais e municipais, hotéis, empresas de serviço, lojas de varejo, mercado, drogarias - tudo ficava concentrado na avenida principal ou em seu entorno. - “Vou lá na cidade receber, pagar as  contas e fazer umas comprinhas”, era uma frase comum.

 

O transporte coletivo era tarefa dos bondes elétricos, abertos e ventilados, mas lentos e defasados. Os coletivos, com placas dos bairros, iam ao centro, davam uma volta em torno do pirulito (obelisco) da praça Sete, e voltavam aos bairros de origem, apinhados de passageiros pendurados no estribos. De prestativos e indispensáveis, os bondes passaram a significar coisa obsoleta, um trambolho, insuportável: ”Isso é um bonde”!…

 

Mas a jovem BH se desenvolveu e tornou-se uma capital singular e plural, conservadora e avançada. A sua gente, receptiva e introvertida, conserva um leve sotaque de interior, um jeito especial de se expressar e o hábito de confiar desconfiando. BH é um mercado-teste: o que é bem aceito aqui é quase certo que emplaque noutras praças. Hábitos novos, costumes, produtos, certas novidades, e até nomes, a priori, sofrem resistência. A Savassi remete a uma famosa padaria, mas pode ser um bairro e também uma praça, no Funcionários, a praça Diogo de Vasconcelos, junto ao Palácio da Liberdade e das secretarias que abrigaram os funcionários egressos  de Ouro Preto.

 

A histórica praça Rui Barbosa é a praça da Estação, que recebeu novo apelido com a chegada das fontes de água em movimento, que refrescam o local: virou a praia da estação. A mal-afamada praça da rodoviária tem nome registrado: é a praça Rio Branco. O viaduto Jornalista Oswaldo Faria (2002), continua sendo o velho viaduto da Floresta. A Via Expressa, que liga BH a Betim (25 km), é uma via expressa, mas cabe chamá-la de avenida Juscelino Kubitschek de Oliveira. O Mercado Novo é de 1960. O aeroporto de Belo Horizonte opera em Confins (39,2 km), com o nome Aeroporto Internacional BH-Confins Tancredo Neves. O maior parque público, que tem o nome de guerra de Parque das Mangabeiras, é o ilustre e oficial Parque Municipal Prefeito Maurício Campos

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O nome da rua Prof. Otávio Magalhaẽs, no Mangabeiras, foi substituído pelo intrigante rua do Amendoim; um túnel com duas vias - uma é a Prefeito Souza Lima, a outra via é a Presidente Tancredo Neves, que, na intimidade, prevalece como túnel da Lagoinha. E quem saberia  informar onde se situa a “Travessia Milton Nascimento”, criada por um governador, num dos labirintos da praça do Palácio da Liberdade?

 

A reconstruída arena Governador Magalhães Pinto, desde sempre é o Mineirão;  a bem situada praça Governador Israel Pinheiro virou a Praça do Papa em 1980, na visita do pontífice João Paulo II. O sobrecarregado anel rodoviário tem nome, mas ninguém lembra: trata-se do Anel Rodoviário Prefeito Celso Mello de Azevedo. Na Planta Oficial da Nova Capital (1897), com assinatura de Aarão Reis, aparece, com destaque, a importante avenida 17 de dezembro, que, desde sempre, é a avenida do Contorno, só concluída em 1940 pelo prefeito JK.

 

Experiente para superar desafios, BH é vibrante, receptiva e oferece inúmeras atrações. Seu cartão postal é o Conjunto Moderno da Pampulha (1943), reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Unesco (2016), junto à igrejinha de São Francisco de Assis, o Iate Tênis Clube, a Casa do Baile (Centro de Arquitetura), o Cassino (Museu de Arte) e a Casa Kubitschek (Museu), obras de Oscar Niemeyer. O Palácio das Artes é o maior centro de produção, formação e difusão cultural; a Sala Minas Gerais e a Orquestra Filarmônica são polos de música erudita, com referência internacional.

 

Capital brasileira dos bares e botecos (cerca de 14 mil), entre um brinde e outro, diz-se que “aqui não tem mar, mas tem bar”. E renova-se a cerveja geladinha, o fígado acebolado com jiló, pastel de angu, mandioca frita com carne de sol e a branquinha, da roça, o “xixi de anjo”, diz, com autoridade, o comunicador Acir Antão.

 

Esse clima inspirou a criação do vitorioso “Comida Di Buteco”, evento presente em várias partes do país, desde 2008. BH recebeu o título de “Cidade Criativa da Gastronomia”, dado pela Unesco em 2019. No ranking de capitais com melhor qualidade de vida no Brasil, segundo o Índice de Progresso Social (IPS) 2024, BH ocupa o terceiro lugar. Iniciativa da Prefeitura e da Belotur, em 2024, o evento “Bares com Alma” é um reconhecimento à habilidade de 30 botequeiros empreendedores.

O Mercado Central é um xodó, quem vai lá se apaixona. Foi aprovada, em novembro de 2024, na Câmara Municipal, a lei que permite a instalação, na praça Sete, do “Times Square de BH”, com vários paineis de LED e um show de luzes, na antiga fazendinha.

 

A Feira Hippie (artesanato), que acontece aos domingos, na Afonso Pena, é uma das principais do país. A mais nova atração na Pampulha é o Stock Car. O Parque Expominas movimenta a cidade o ano inteiro com exposições, seminários, feiras comerciais, eventos artísticos e culturais. Festivais de artes, teatro, dança, música, corais, filmes; o futebol, representado por América, Atlético e Cruzeiro, em três arenas de porte internacional; o ginásio Mineirinho, reformulado, acolhe  esportes especializados, shows e grandes eventos; o revitalizado carnaval de BH é jovem e único, pela pluralidade e democracia. A festa junina “Arraial de Belo Horizonte”, desde 1979 valoriza uma tradição da cultura junina do país, tornando-se um evento turístico de porte nacional.

 

Atrações nacionais e internacionais, escritores, jornalistas, cientistas, médicos, contistas, poetas, musicistas, pensadores, sempre fizeram de BH um centro efervescente de eventos culturais, científicos, turísticos e esportivos, que geram conhecimento, entretenimento, empregos e dividendos.

 

Grupo Galpão, Giramundo, Coral Ars Nova, Madrigal Renascentista, Madrigale, Uakti;  Henfil, Ziraldo, Aroeira, Son Salvador. Drummond, Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Rubem Braga, Otto Lara Resende, Lais Correia de Araujo, Henriqueta Lisboa, Conceição Evaristo. E o que dizer de Clara Nunes, Djonga, Paulinho Pedra Azul, Maria Lúcia Godoy, Vander Lee, César Menotti & Fabiano, Fernanda Takai, Marcus Viana, Skank, Pato Fu, Jota Quest, Sepultura; o “Clube da Esquina” de Milton Nascimento, Fernando Brant, Marilton, Márcio e Lô Borges; Toninho Horta, Flávio Venturini,  Beto Guedes, Wagner Tiso e personalidades de várias culturas, que enriquecem o nome de Belo Horizonte, como Ivo Pitanguy, Hilton Rocha,  Milton Campos, Gustavo Penna, Martha Miraglia, Tostão, Reinaldo, Tancredo Neves, Juscelino Kubitschek de Oliveira, entre outros nomes.

 

“Rádio City”, o serviço de alto-falantes, se dirigia aos pedestres, em trânsito na praça Sete, abrigos de bondes e nas imediações, com avisos e comunicados de interesse, informações de utilidade pública e reclames comerciais. De vez em quando, ouvia-se uma musiquinha.

 

A primeira emissora de rádio foi a Mineira, em 1927. A estatal  Inconfidência e a rádio Guarani, dos Associados, surgiram 10 anos depois, com  programações muito parecidas. O panorama foi alterado, só em 1952, com a chegada da rádio Itatiaia, especializada em noticiário e reportagem. Hoje é uma das mais importantes do país.

 

Em 1969, foi lançada a rádio Del Rey FM (atual 98), primeira  emissora com som estéreo da América Latina. A era televisiva teve início com a TV Itacolomi (1955-1980), retirada do ar pelos militares, sendo substituída pela TV Alterosa. A Globo Minas (1968), era o canal da antiga TV Belo Horizonte. E a TV Vila Rica (1967), é a atual Band Minas.

 

Ainda prevalecia o hábito de ler jornais e a mídia impressa  dominava, com estes títulos: Estado de Minas (1928), Diário da Tarde,  Diário de Minas, Folha de Minas,  Diário Católico, Jornal de Minas, Diário do Comércio, Minas Gerais (oficial) e os semanários Binômio e O Debate, além da revista mensal Alterosa. Sem contar a “Folhinha Eclesiástica de Mariana”, que continua informando onde vai e não vai chover e sempre acerta suas previsões meteorológicas, desde 1870.

 

Aos 127 anos, BH nunca contou com bons desempenhos da maioria dos alcaides, sejam eleitos por voto popular, indicados ou nomeados. Alguns se salvaram e é fácil reconhecê-los. Tomara que o ex-vice, que assumiu a Prefeitura, atuou por dois anos e meio e foi reeleito, numa virada emocionante, na última eleição, consiga cumprir o que se espera dele, uma excelente gestão. O economista Fuad Noman (77 anos), tem  chance de entrar para a galeria de mandatários que brilharam como chefes do município e entrar para a história.                                          


Belo Horizonte, a ex-fazendinha iluminada, agradece, penhoradamente. Que assim seja. Amém.

* Hamilton Gangana é publicitário

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